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Saiba como o soul influenciou décadas da música mundial

Os primeiros rumores sobre a música soul é que foi oriunda da música gospel. O sucesso de Ben E. King, “Stand by Me”, provou a tese que esta foi gospel, tornando-se soul. Música sacra tornando-se secular onde a adaptação de duas músicas gospel foram preferivelmente dirigidas a uma mulher e não a uma divindade. Não havia maneira de omitir suas raízes.

O ano foi 1961. Em 1998, o grupo 4 The Cause levou essa mesma música de volta às paradas. John Lennon também a havia levado anteriormente, assim como outros artistas. Apenas grandes músicas falam a linguagem da nova geração. “Stand by Me” é uma delas. Desde de sua criação nos anos 60, a música soul andou em duas direções.

Em Detroit, a Motown Records de Berry Gordon proclamou-se “Hitsville USA” ou Vila dos Sucessos dos Estados Unidos. Alarde em vão. Em Memphis, a Stax Studio proclamou-se “Soulsville USA” ou Vila da Música Soul nos Estados Unidos. Mais um alarde em vão.

A Motown Records não era uma companhia arrojada, o que não quer dizer que era uma gravadora convencional. “Dancing In The Street” foi escrita para amenizar qualquer possibilidade de tensão nas ruas de Detroit, tensão que mais tarde, em 1968, originou tumulto generalizado e Motor City foi queimada. Com a voz de Marvin Gaye, se podia escutar uma geração tentando se encontrar e com os Jackson 5, os primeiros ídolos afro-americanos pré-adolescentes puderam ser vistos. Até aquele momento, todos os adolescentes bem-sucedidos na música haviam sido exclusivamente brancos. The Temptations, antigos especialistas em música dance e romântica, com o sucesso “Papa Was A Rolling Stone”, começou a enfatizar os problemas sociais em suas músicas e criou um dos discos mais vigorosos de sua época.

Memphis foi onde o Dr. Martin Luther King foi assassinado. E onde se localiza a Stax Records. Uma gravadora de donos brancos situada no coração de uma área opressivamente violenta e em ruínas, a Stax era a combinação de músicos brancos e negros criando uma das mais resistentes músicas soul daquela, ou talvez, de todas as épocas. Booker T, líder da banda da casa, alcançou as paradas de sucesso por mérito pessoal, sendo “Green Onions” uma delas. Outros artistas também gravaram com a Stax, tais como Otis ReddingSam and Dave e Eddie Floyd. Wilson Pickett, mesmo não fazendo parte do selo, gravou com a Stax e fez de seu sucesso “In The Midnight Hour” uma fusão perfeita de gospel e soul.

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A música soul da Stax tinha mais raízes do gospel e cantava muito com instrumentos de sopro e guitarras com estilo blues, enquanto a Motown explorava mais a percussão e o baixo. As vendas da Stax atingiram seu topo com a trilha sonora do filme “Shaft”, em 1971, filme que dificilmente teria sido feito cinco anos mais cedo por ter negros como diretor, ator principal, editor e compositor. Isaac Hayes, com seu estilo peculiar, produziu uma trilha sonora com temas que ficaram na memória até os dias de hoje.

Se houve um momento crucial para a Stax e a música soul, foi com o assassinato de Martin Luther King em 1971. Houve tumulto em oitenta cidades. Vinte e nove pessoas morreram e duas mil ficaram feridas. A música tornou-se mais politizada dentro da comunidade negra depois da morte de Martin Luther King. Com isso,a tentativa de alcançar uma maior audiência branca tornou-se irrelevante. A música negra estava, então, totalmente dirigida ao negro. O sonho de colaboração entre brancos e negros, que se anunciava na Stax e um pouco menos na Motown, num mesmo gênero musical, morreu naquela tarde no Motel Larraine. Foi um final simbólico dos anos 60, década que havia sido muito promissora. O assassinato de Bobby Kennedy no ano anterior provocara muita tristeza e desilusão. A morte de Martin Luther King provocou raiva.

James Brown falou no rádio logo no começo do tumulto nas ruas e fez um show televisionado com o objetivo de manter as pessoas fora das ruas. Ele se tornou a voz da “América Negra”, um papel que ele desempenhou até o final da era soul e continuou por muito mais tempo. Ele também passou a ser visto como uma figura de poder dentro da música e da sociedade: trouxe de volta as raízes dentro da música negra. O que ele fazia, dizia, como andava e se vestia exercia um forte papel dentro da comunidade negra. A influência de James Brown foi marcante,não somente entre os discípulos do funk,como Kool & The Gang, mas também por suas batidas distintas de baixo e bateria que até hoje são sampleadas e escutadas por novas gerações que não tem nem ideia do que estão escutando.

Até mesmo o disco foi decorrência do crescimento da música de James Brown com seu funk urbano. Disco, a viagem da nostalgia dos anos setenta, era quase um alvo perfeito para as paródias. Foi Barry White quem primeiro casou as discotecas com o quarto de dormir. Em 1975, ele disse que metade das crianças nascidas naquele mesmo ano haviam sido concebidas em decorrência de sua música. Havia alguma coisa mágica em sua voz de seda e suas batidas disco. Ele não estava muito errado a esse respeito, uma vez que sua música emanava o amor. Barry queria ver todas as pessoas fora das ruas.

A música política não se desgasta muito fácil. Ela é uma música definitiva com um prazo estipulado de aceitação. Isto não é música política. Isto é música nascida de momentos desafiadores. É a música cujo subtexto é “Somente para Brancos” nos hotéis e bebedouros e oportunidades desiguais. É uma música orgulhosa de sua negritude. É uma música de mensagem simples: Respect (Respeito)!

Respect

Respeito tem sido uma coisa intensa e visivelmente deficiente. Respeito pela música. Respeito pela cultura que originou a música. Respeito pelas pessoas que fizeram a música. Respeito já está por vir há muito tempo. No final dos anos 60, rachaduras começaram a aparecer na face da sociedade americana. Americanos com descendência africana não mais se calariam. Respeito era uma necessidade da nação. Aretha Franklin escrevera mais tarde que a música havia adquirido uma importância monumental, o respeito que as mulheres esperam dos homens e os homens das mulheres. O direito inerente a todo ser humano. Às vezes uma música, uma simples música, pode dizer tanto. Muito mais do que aqueles que a criaram poderiam supor.

* Colin Escott (Tradução: Maurício Flores)