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Quem é o Adão cantado por Bebeto e por que ‘o barco estava furado’?

São muitos os exemplos na música brasileira que reverenciam ídolos do futebol que empilharam troféus em sua carreira. Porém, em alguns casos, o barato é contar a história de jogadores que não tiveram o mesmo sucesso, mas que são grandes personagens.

Em 1975, o cantor Bebeto lançou seu primeiro LP, batizado com seu próprio nome. O disco viria a se tornar um clássico, principalmente pelo samba rock “Segura Nega”, composta em parceria com Luis Vagner.

Entre as faixas do álbum, uma fala diretamente sobre futebol. “Adão Você Pegou O Barco Furado”, a quarta do lado B, conta a história de um jogador que não teve culpa pelo mau desempenho do time. Isso porque, aparentemente, tudo já estava fora do rumo quando ele virou uma das principais esperanças do torcedor.

Bebeto começa apresentando Adão, um garoto que usa a camisa 10, “está com tudo” e “não tá prosa”. Ele “pode passar até por dez, matar no peito, chutar forte, fazer gol”, mas o “time perde, o povo chora” e o jogador “fica triste com razão”.

Quem é o Adão cantado por Bebeto?

Nos anos 1970, um “Adão” que teve muito sucesso no nosso futebol foi Cláudio Adão, centroavante que passou por vários clubes grandes, sendo campeão brasileiro pelo Flamengo (1983) e pelo Corinthians (1990).

Mas duas informações descartam a hipótese de que ele seja o homenageado: ele costumava usar a camisa 9 e ainda estava no Santos, em seus primeiros anos de carreira profissional, quando a música do Bebeto foi lançada.

O personagem da música de Bebeto é, na verdade, Adão Ambrósio, o Adãozinho.

E a própria música dá outras dicas de que o protagonista é o meia-esquerda que atuou no Corinthians de 1971 a 1978.

Em um trecho, Bebeto canta que Adãozinho “sente a falta do velho Tião”, em referência ao volante revelado pelo Corinthians e que jogou no clube de 1967 a 1974.

Outro verso diz que “o meio-campo anda Ruço, preocupado”, em um trocadilho com o nome do também volante que jogou pelo time entre 1975 e 1978.

Celso Unzelte, jornalista e pesquisador sobre o Corinthians, escreveu Adãozinho era “técnico, bom lançador e versátil”, e “visto como o sucessor ideal de Rivellino por ninguém menos que o próprio Riva”.

Segundo Unzelte, Adãozinho jamais chegou a ser o jogador que tanto prometia, principalmente pela tendência para engordar e de seguidas contusões.

Em setembro de 1977, Revista Placar destacou "briga" de Adãozinho com a balança: "Com o Rei sem Barriga", diz o título da reportagem (Foto: José Pinto/Placar)
Em setembro de 1977, Revista Placar destacou “briga” de Adãozinho com a balança: “Com o Rei sem Barriga”, diz o título da reportagem (Foto: José Pinto/Placar)

Por que o Corinthians estava com o “barco furado”?

É possível ter uma noção do que acontecia no Corinthians a partir da linha do tempo dos jogadores citados na música. O clube não conseguia sair da “fila” e estava sem títulos de expressão desde 1954.

Pelos versos, percebe-se que a música de Bebeto trata de um momento bem específico desse jejum: os anos de 1974/75. Tião ia embora, Ruço chegava. Era um período de mudanças. Dá pra entender porque o cantor estava sem quase sem esperanças.

Em 1974, o Corinthians perdeu a final do campeonato Paulista para o arquirrival Palmeiras. Por isso, o “Reizinho do Parque”, foi escolhido o grande vilão e deixou o Parque São Jorge rumo ao Fluminense.

Em 1975, com um regulamento diferente no Paulista, o Corinthians ficou longe de conquistar o título que ficaria com a Portuguesa.

“Mas, de nada você é culpado, você já pegou o barco furado”, cantaria Bebeto para Adãozinho.

Cria das categorias de base do Corinthians, ele havia se destacado logo no começo da carreira, em 1971, em uma partida memorável contra o alviverde. O Palmeiras da “Academia” vencia por 2 a 0, mas levou a virada e o jogo terminou 4 a 3 para o alvinegro, com direito a golaço de Adãozinho (assista a partir de 30s).

Redenção em 1977

Em setembro de 1977, a Revista Placar destacava a briga que Adãozinho travava com a balança: “Com o Rei sem Barriga”, dizia o título da reportagem.

Um mês depois, ele viria a conquistar o esperado título que tirou o Corinthians da fila: o Paulista de 1977.

Ele não foi titular no jogo do título porque havia sido expulso na partida anterior. Apesar disso, teve grande importância nos dois primeiros jogos das finais, lembra Unzelte. O companheiro Ruço esteve entre os 11 iniciais daquele jogo.

O personagem da música de Bebeto deixaria o Corinthians um ano depois com 253 partidas e 19 gols. Mais tarde, ainda jogaria no Coritiba, Rio Negro-AM e Portuguesa Santista. Após encerrar a carreira, ele passou a trabalhar como professor em uma escolinha de futebol em São Paulo.

Adãozinho morreu em 2011, aos 59 anos. Segundo familiares, ele era diabético e teve uma complicação após passar por um transplante de rim.